sábado, 5 de julho de 2008

Noir de alucinação

Caminhava na rua escura, iluminada apenas por alguns postes. A maioria das lâmpadas estavam quebradas. Murmúrios e gemidos se estendiam por todos os becos que ali se recostavam. Tudo isso porém não atingia minha mente, enquanto me escondia em baixo de meu chapéu negro.

Nunca entendi porque caminhava, mas era de meu gosto, então eu caminhava. Isso era para fugir de minha escrivaninha, em meu quarto, que ficava esperando uma matéria cair em meu colo.

O jornalismo sempre foi a minha paixão, o meu talento. Mas depois que ganhei uma boa grana, o suficiente para poder trabalhar em casa, eu parei de trabalhar com vontade. Já não havia mais motivação, afinal das contas, não precisava mais daquilo.

Já que nada iria escrever mesmo, pegava meu sobretudo fino, esse que gostava de chamar assim, porque na verdade era apenas uma capa de chuva preta, o meu chapéu e independente do que estava vestindo, botava aquilo tudo e metia o pé na rua para caminhar até cansar, deixando o destino jogar a minha frente o que tivesse que vir.

Então caminhando pela escura rua vi debaixo de um outro foco de luz um casal. Acreditei ser um casal de namorados. Mas mais próximo que chegava percebi que era um homem qualquer e uma puta sem caráter. Repugnei os dois, um por ostentar aquela rodela dourada em volta de seu dedo, outra por estar suja, mascarando as marcas da vida com uma grossa camada de químicos estranhos e coloridos. Um por representar uma casta da sociedade que se diz ser a nobreza do povo, e outra por se dizer uma sem oportunidades.

Caminhava por entre os automóveis de ferro pesado. Aquelas carangas pareciam não querer correr, mas se mostravam a postos as maiores corridas, a superar os cavalos, ao menor dos sinais do som de partida.

Depois de cenas assim me senti na obrigação de sair daquele lugar, que não me enojava, mas que me davam um arrepio quase único de solidão, quando me deparei com uma loira fumante. Ela que ao soprar aquele aroma de tabaco queimado cuspiu as palavras “está sozinho, amor?”.

Naquele momento lembrei daquele casal debaixo do poste e me enojei quase que subitamente, dizendo que estava só sim, mas que não estava preparado para um programa. Raivosamente a moça retira a peruca loira, me pega pelo ombro do casaco longo e me joga contra a parede berrando:

- Como assim? Pra que então me fez vestir esta roupa de puta e ficar te esperando na rua a esta hora? Suas fantasias te fazem viajar para outro mundo, seu filho da puta! Pode se preparar para assinar o divórcio porque essa foi a gota d’água!

E foi assim que perdi a esposa que quase amei. Graças à náusea da imagem que vi momentos antes me fez ver que estava no caminho da sociedade errada.

Virei então, mendigo a procura de prostitutas.

1 comentário:

Vitor Rebello disse...

uhh...um dos que mais gostei.
ficou bem bom!

aguardo os próximos..haha.